24 de Junho de 2002
Ilha de Santa Catarina, Brazil

De Luther Blissett

Ao Excelentíssimo Reitor da Universidade federal de Santa Catarina


Com a idéia comum de dar vida, resumidamente, a um Ateneu, um grupo aberto e informal de pessoas começou a ocupar e utilizar uma sala de cerca de 50m2 nos fundos do RU em março de 2002; um espaço abandonado cujas salas vizinhas já hospedavam oficinas de artesanato e capoeira ministradas por outros ocupantes.

Quando entramos lá, não faltavam lixo, lama, goteiras, baratas e até ratos naquela sala abandonada. Não faltava também um vão horizontal aberto que ligava aquela sala ao RU, um vão para a livre passagem da baratas e ratos que viviam naquela sala imunda e úmida. Saberiam os usuários do RU sobre essa realidade tão pouco higiênica e até mesmo perigosa para sua saúde?

Retiramos as centenas de quilos de lixo e entulho que haviam naquela sala. Limpamos a sala, consertamos os furos nas calhas, recuperamos livros que estavam se estragando no local e que foram posteriormente doados à Biblioteca da UFSC. Construímos uma biblioteca aberta a todos, que rapidamente passou dos 100 títulos de livros (a maioria livros recentes e não disponíveis nas defasadas bibliotecas da UFSC) e com mais inúmeros periódicos libertários. Conseguimos móveis, mesmo que precários, para possibilitar que aquele antigo laboratório se tornasse um espaço de sociabilidade, de leitura, de grupos de discussão que se articulavam e de discussão de projetos. Procurávamos, de forma autônoma, reanimar um pouco da tradição cultural tão rica que constituíram os Ateneus, no Brasil e no mundo.

Dia 17 de junho último, a porta de acesso foi lacrada com cadeado e a fechadura trocada pela Reitoria, sem sequer recebermos aviso prévio.

Assim como os ratos e baratas que antes da nossa chegada ocupavam o local, também não pedimos "autorização" da Reitoria para utilizar aquele espaço que estava literalmente entregue às baratas. Assim como os ratos e baratas estamos sendo tratados (ou quem sabe pior, pois os ratos e baratas não foram desalojados por eles).

Não é de admirar. Para aqueles que não entendem o valor da memória, da história, da cultura, da livre iniciativa, da autonomia, e que só reconhecem sua própria Autoridade política como legitimadora das atividades humanas, não existe diferença entre a atividade que lá era levada a cabo por ratos e baratas e a nossa. Ambas não passaram pelo crivo da Autoridade que tudo quer regular e controlar. Ambas portanto não merecem respeito ou consideração, ambas são ilegítimas e ilegais. E isso temos percebido claramente nos diálogos com a Pró-Reitoria de Assuntos da Comunidade.

Com vistas a solucionar esse impasse e tentarmos manter o Ateneu assim como as oficinas que lá ocorriam, e em ritmo de Copa do Mundo desafiamos a Reitoria para uma partida de futebol, a se realizar na quinta-feira, dia 27/06, 12:30h, na própria Reitoria.

Se a Alta Burocracia da UFSC ganhar não os incomodaremos mais com nosso idealismo e inquietações, e poderão se dedicar sem perturbações novamente ao jogo da política.

Se ganharmos, a Alta Burocracia não deverá nos incomodar seja lá atrás do RU ou em outro local que aceitarmos e que acharem por bem nos indicar para realizarmos o projeto que lá desenvolvíamos.

Com espírito de fair play,



Luther Blissett

***


From: "Leo" [...]
Date: Fri, 28 Jun 2002 00:40:56 -0300
To: "rogerio de campos" [...]
Subject: En: [espaciolivre] matéria(zinha) da Unaberta


Olá Rogério,
Valeu pela força na divulgação da carta do Luther!
Olha só essa matéria que saiu no Universidade Aberta (um jornal da universidade, ou do departamento de jornalismo, ou sei lá o que). Estou me mijando de rir... Ela entrevistou pessoalmente o Luther Blissett.. Não sei
quem deu a entrevista para ela... acho que ela deve ter lido o panfleto também... ela tratou como se o Luther Blissett 'existisse'...(hehehe)

um abraço

Leo



Estudantes jogam futebol no hall da Reitoria
27/06/2002


O hall da Reitoria foi ocupado hoje por cerca de 50 estudantes e pessoas que não têm vinculação com a Universidade para a realização de uma partida de futebol e de uma batucada. Das 12h45 até cerca de 14h30, eles protestaram contra o fechamento de um espaço que ocupavam nos fundos da ala B do Restaurante Universitário. Luther Blissett, que participou da ocupação, disse que o espaço era utilizado para a realização de reuniões, grupos de discussões e saraus (recital de poesias, mostra de artes plásticas e outras atividades). No local, também foi montada uma biblioteca com a doação de mais de 100 livros. Segundo Blisset, eles limpavam e faziam a manutenção da sala que, quando foi ocupada, em março deste ano, estava em condições precárias, cheia de entulhos, livros apodrecidos, lama, goteiras e ratos. No último dia 17, a porta de
acesso à sala foi lacrada e a fechadura trocada pela Segurança do Campus. Segundo o pró-reitor de Assuntos da Comunidade Universitária, Pedro da Costa Araújo, as pessoas ocuparam o espaço sem autorização e além de realizar atividades de discussão, também dormiam lá.
Eles foram informados de que não poderiam permanecer no local que, além de móveis colocados por eles, abriga livros, bens do patrimônio e objetos sob guarda judicial.
O pró-reitor informou que o espaço será utilizado para a construção de um Centro de Capacitação de Recursos Humanos.

 Estephani Zavarise