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Revolução sem rosto

Leia entrevista com o coletivo italiano Wu Ming, defensor do copyleft e do Creative Commons,
e que prega o fim do "monstro" da propriedade intelectual


23/11/2005

Fabiana de Carvalho

Em chinês, Wu Ming significa anônimo. Nome ideal para um coletivo formado por cinco italianos "sem rosto", autores de livros, roteiros e outras manifestações artísticas e literárias e ferrenhos defensores do fim do copyright como o conhecemos. O grupo adotou o pseudônimo em 2000, quando um quinto integrante se associou aos outros, que já faziam parte do Luther Blisset Project. Coletivo ainda maior, que foi um verdadeiro fenômeno na Itália entre 1994 e 1999, o Luther Blisset gerou várias lendas sobre seus supostos integrantes na época, e o romance Q, de sua autoria, foi um enorme sucesso no mercado literário.
Desde o início da década de 90, Wu Ming 1, 2, 3, 4 e 5, como são conhecidos publicamente, já lidavam com a questão do direito autoral. Adeptos do copyleft antes mesmo da criação do Creative Commons, os italianos são responsáveis por um site, onde divulgam seus trabalhos, e participam de discussões sobre o tema em diversos países.
No início deste mês, Luca Di Meo, o Wu Ming 3, esteve em São Paulo, para o lançamento do livro "54 - A história do projeto Luther Blissett, do coletivo Wu Ming e do Copyleft na literatura" (Conrad). Ele também participou de uma conferência na USP Zona Leste. Luca e os outros integrantes do coletivo concederam uma entrevista ao Trama Universitário, sem, claro, identificar o autor de cada uma das respostas. Coerentes, aliás, com seu mote de que "essa revolução é sem rosto".
Para saber mais sobre a discussão do direito autoral no Brasil, clique aqui e conheça a Licença para Integração de Mídias Universitárias, lançada pelo TU. Clique aqui também para conhecer o livro Cultura Livre, de autoria de Lawrence Lessig, criador do Creative Commons, editado pela primeira vez no país pelo TU. Para saber mais sobre Creative Commons, leia uma entrevista uma entrevista com Ronaldo Lemos, diretor do CC no Brasil.
Leia a seguir a entrevista com o coletivo Wu Ming, que responde às perguntas em grupo:

- Quando vocês tiveram a idéia de criar a comunidade?

Wu Ming
- Alguns de nós nos conhecemos em 1990, durante uma ocupação da Universidade de Bolonha, em protesto contra uma lei de reforma da educação. Alguns outros entraram em contato alguns anos depois, quando o que viria a ser o Luther Blissett Project começou um programa de rádio e atraiu os artistas/ativistas mais interessantes das redondezas. A comunidade se formou bem naturalmente, e incluía várias pessoas em Bolonha e centenas no resto do país. Nós fizemos muitas coisas juntos: rádio, fanzine, teatro de rua, boatos de mídia etc. Então quatro de nós decidimos escrever um romance, e o você sabe o que aconteceu a seguir.

Como a comunidade funciona? Quem faz o quê?

Funciona lindamente, cada um de nós faz tudo e qualquer coisa. Nós todos pesquisamos, tomamos notas, discutimos e escrevemos.

Além dos livros, o que mais vocês produzem?

Nós mantemos um website de muito sucesso (http://www.wumingfoundation.com). Nós escrevemos o roteiro de um filme ("Lavorare con lentezza" a.k.a. "Radio Alice") que ganhou diversos prêmios em festivais de cinema europeus, incluindo o primeiro prêmio no Festival de Cinema Político de Barcelona, na Espanha. Nós fazemos um monte de coisas, na verdade.

Em seu site, vocês publicam trabalhos de outras pessoas? Há alguma condição para isso, como vocês escolhem o que irão publicar?

Não, nós só publicamos nossas próprias coisas, mas temos um projeto paralelo chamado iQuindici, um bando de gente que arquiva e resenha romances não-publicados e histórias curtas, e às vezes eles atuam como uma agência literária alternativa, se eles gostam de um livro, eles contatam o autor e perguntam se há algum interesse em publicá-lo. Esse projeto existe desde 2002 e já garantiu a publicação de vários livros.

Por favor, falem um pouco de sua relação com copyleft, Creative Commons etc. Como vocês se envolveram, quando começaram a lidar com isso? E hoje, como ajudam a divulgar isso?

Nós começamos a lidar com esses assuntos bem antes do Creative Commons existir. A maioria de nós esteve envolvida com pós-punk anti-copyright e a cultura do faça-você-mesmo desde o início dos anos 90. O Luther Blissett Project foi fortemente influenciado por ‘mail art’ e pelo underground pós-punk/noise/eletrônico, gente como Negativland etc. Esse tipo de cultura já tinha desenvolvido uma crítica radical ao copyright como o conhecemos. Como resultado, o Luther Blissett nasceu com esse tipo de atitude. Todos os nossos trabalhos (livros, música e todo tipo de coisa) eram sem copyright. Em 1996 começamos a usar uma licença copyleft, mais ou menos a mesma que usamos hoje (nós a refinamos e reescrevemos, mas o conteúdo é o mesmo).

E como vocês acham que isso pode mudar a sociedade e quais os benefícios de alterar as leis tradicionais de copyright?

A propriedade intelectual (copyrights, marcas registradas, patentes etc) se tornou um monstro em todos os campos do conhecimento. Algumas corporações detêm até o DNA de certos seres humanos. Plantas que sempre existiram e sempre serviram de alimento para a humanidade estão sendo patenteadas por bastardos gananciosos e se tornando propriedade privada, e então eles podem revendê-la exatamente para as mesmas pessoas que costumavam plantá-las, cultivá-las e comê-las. Falando estritamente de arte e literatura, os termos de prazos do copyright estão sendo ampliados de uma maneira sem precedentes. Há cem anos, o copyright durava 12 anos, agora ele dura 70 anos após a morte do autor, e alguns filhos da puta estão fazendo lobby nos parlamentos para estendê-lo por mais vinte anos! O copyright se tornou uma coisa parasitária. Você se lembra de "About a Boy", do Nick Hornby? O personagem principal é um cara rico e mimado que não tem nenhum interesse real na vida, ele é cheio da grana e vive uma vida ociosa no West End de Londres. Por que? Porque o pai dele escreveu uma famosa música de Natal, ele herdou o copyright e ganha a vida com as execuções públicas, todos os natais. Parece divertido, mas existe toda uma classe de parasitas vivendo desse jeito, eles não têm mérito, não têm habilidades, não têm talento, não têm inteligência, mas eles são absurdamente ricos! É patético e nojento e nós queremos ser parte de uma ofensiva que irá chutar esses caras para fora de suas mansões e os forçar a arrumar um emprego de verdade, pelo amor de Deus!

E quanto ao aspecto político? Você acredita que isso também possa ser uma ferramenta política?

O que nós acabamos de dizer é absolutamente político, não é? :-)
Piadas à parte, o papel do software livre na luta contra a divisão digital é muito importante.

Vocês têm alguma perspectiva de como as coisas serão daqui para a frente, no campo do copyright/copyleft? Vocês conseguem enxergar alguma perspectiva de grandes mudanças em um futuro próximo?

Vai haver uma luta infernal em escala planetária. O que nós temos visto não é nada comparado ao que está por vir. O futuro é imprevisível, mas nós temos fé na comunidade, nós triunfaremos!

Confirem aqui o hotsite do romance "54"

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