Entrevista á Contravenção, fim de 2003

[Agradecimentos a Arthur que nos emitiu esta ligação, http://transito.zip.net.
"Essa entrevista foi realizada pelos colaboradores do extinto fanzine punk Contravenção - no qual eu fui um colaborador. Agradeço ao Georges Kormikiaris, editor do fanzine, por enviar-me o arquivo para publicação. Vale dizer que o Georges é o editor da Radical Livros, que lançou o A Filosofia do Punk recentemente no Brasil. A entrevista foi realizada com o Wu Ming 1 (o que está no país é o Wu Ming 3) no fim de 2003, mas serve como boa introdução para as idéias do coletivo de escritores de Bolonha."]

Tom ZéContravenção: Quando vocês falam sobre o conceito por trás dos autonomistas, que é estimular o poder criativo e revolucionário dos trabalhadores, me ocorre perguntar o que pensam sobre a visão de um compositor brasileiro chamado Tom Zé. Esse artista, no álbum temático Com Defeito de Fabricação, desenvolveu uma espécie de manifesto em que, entre outras coisas, afirma que um trabalhador criativo do 3º mundo é visto pelo patrão (na figura da corporação multinacional) como um autômato com defeito de fabricação, pois não faz parte da ordem das coisas que um operário pense, tenha sentimentos, expresse criatividade e questione coisa alguma. Tom Zé, nesse mesmo disco, ainda defende a idéia do plágio-combinador, como um artista que se apropria de obras e idéias de outros para criar algo novo. Pelo visto as idéias desse compositor estão alinhadas com o Wu Ming. Não sei exatamente qual é a pergunta, mas vocês conhecem Tom Zé? O que pensam das teorias sobre o "defeito de fabricação" e o "plágio-combinação"?

WM1: Bom, eu não sei qual seria a resposta, mas quando estive em Florianópolis, fui entrevistado por um estudante da Universidade Federal e ele me deu uma cópia de Com Defeito de Fabricação, que eu gostei. De fato, você o mencionou e eu o coloquei pra tocar. Estou escutando agora. Não entendo todas as palavras, é muito difícil, mas o cara me contou sobre o conceito explorado no disco e parece interessante. Eu gostaria de saber mais a respeito. É claro que a idéia do "plágio criativo" não é novidade, a cultura sempre funcionou desse jeito: lendas, mitologias, religiões, histórias regionais, contos de fadas, piadas, lendas urbanas... Tudo isso foi resultado de combinação e variação contínuas. O "plágio" se tornou crime pelo capitalismo e é cada vez mais difícil para os poderes estabelecidos imporem esse tipo de lei.

Contravenção: Em sua "declaração de intenções" é dito que "o futuro da comunidade humana depende em larga medida daquilo que acontecerá e está a acontecer no litoral do Pacífico", referindo-se à China. Esta é uma previsão otimista? O que acontece lá e o que é esperado que de lá venha?

WM1: Qualquer coisa. Tudo. Eles são uma população de um bilhão e meio de pessoas, e são a economia capitalista que cresce mais rápido no mundo. Qualquer coisa pode acontecer por lá, para o mal ou para o bem. É tão promissor quanto assustador. Do ponto de vista ecológico, o que ocorre na China (coisas extremamente más, eu diria) irá estabelecer o ritmo da auto-destruição ou da salvação da Terra. Depende de nós, do modo como vamos nos comunicar com eles. Eles estão dizimando o meio-ambient,e mas estão parcialmente cientes disso, porque a mídia está sob o controle do regime. Uma das prioridades de movimentos libertários e radicais no exterior é a de abrir caminho através da cortina da desinformação e entrar em contato com o underground chinês, que é muito rico e fértil. Podemos esperar por atos de resistência e conflitos sociais mais interessantes, lutas de operários desafiando a repressão do estado...

Contravenção: Qual o público que o Wu Ming consegue alcançar com seus projetos? É o que vocês "gostariam" de atingir, se fosse possível escolher? Qual o impacto alcançado e qual o desejado? Como atuar em países periféricos como o Brasil, cujo acesso à internet ainda é extremamente elitizado; ou mesmo na China, onde até sites de buscas e blogs são censurados?

WM1: Estamos atingindo um público razoavelmente grande. Não se esqueça de que nossos romances vendem centenas de milhares de cópias, e não são apenas comprados por militantes, hackers ou ativistas da mídia. Eles podem também ser lidos por pessoas que estão cagando para nosso histórico político-cultural, porque esses livros são romances de aventura; você também pode comprá-los em bancas de estações de trens e ler no trem, ou pode ler sentado na privada. Nós os disponibilizamos para baixar pela internet ou fotocopiar, e você pode até roubá-los nas livrarias (muitas pessoas fazem isso). Não é necessário ter internet para acessar nossos lançamentos. É claro, somos muito ativos na internet, nosso site e nossos boletins têm um papel fundamental em nossas atividades, portanto se você apenas lê os livros, perde alguma coisa que consideramos muito importante. Quanto à "partilha digital", sim, é um grande problema. De qualqer forma, quando estive no Brasil conheci muitas pessoas que estão trabalhando a fim de (pelo menos parcialmente) resolver isso. Em São Paulo eu visitei um telecentro na Cidade Tiradentes [bairro da periferia de SP e refere-se ainda aos telecentros da época da gestão petista na capital], onde jovens das classes baixas aprendem a usar o computador. Em Porto Alegre, eu conheci o pessoal da agência PROCERGS, que conduzem vários projetos sobre software grátis, especialmente projetos educacionais. Existem muitas atividades de pessoas comuns rolando em países que sofrem essa partilha digital.

O coletivismo na Corea do NorteContravenção: Com este conceito de o Wu Ming ser uma entidade coletiva, vocês pretendem negar o individualismo? Até onde ações ou pensamento individuais têm validade ou podem ir, sem alcançar alguma espécie de "culto à personalidade"?

WM1: Nós não acreditamos na dicotomia entre "coletivismo" e "individualismo". Nós rejeitamos o individualismo porque ele é apenas uma fossilização ideológica da necessidade de cultivar o seu ser independente (contanto que ele exista mesmo). Nós também rejeitamos formas autoritárias de "coletivismo" porque elas tendem a destruir as diferenças. Mas do que estamos falando quando dizemos "eu", "mim" ou "eu mesmo"? Quem é o "mim"? Mesmo sob um ponto de vista biológico, nenhum de nós está sozinho. Cada ser humano é um ecossistema completo, nós não estaríamos vivos sem uma flora bacteriológica em nosso intestino, e isso é só um exemplo. Nosso corpo hospeda outros seres. Além disso, quem é "mim", se um ato diário e simples de tomar café ou chá ou comer pimenta vermelha (sem falar de cheirar cocaína ou fumar haxixe) muda minha disposição ou minha percepção de um modo ou de outro? Cada um de nós está TOTALMENTE ABERTO a todos os fluxos e transformações que ocorrem à nossa volta, afetando nosso cérebro e o resto do corpo. Não existe uma distinção clara entre o que é social e o que é individual. Não pode existir uma distinção clara entre o que é "meu" e o que pertence à comunidade à minha volta. Você pode compreender isso muito bem ouvindo músicos de jazz improvisando. O Wu Ming está tentando trabalhar em cima desse conceito.

Contravenção: Deixando um pouco de lado as comunidades e a sociedade, um projeto coletivo como o de vocês pode ajudar na "emancipação do indivíduo"? Ou esse não é o objetivo de vocês?

WM1: Nós somos contadores de histórias. Contar histórias é a prática mais comum em uma comunidade, e por meio disso pode ajudar em "qualquer" forma de emancipação, mas é uma tarefa ampla e social; não pode ser a tarefa de um indivíduo (ou grupo) contar histórias.

Contravenção: Vocês podem falar um pouco sobre o livro Lasciate che i Bimbi? Do que se trata, exatamente? Vocês disponibilizaram também esta obra na internet? Há interesse de republicá-lo de alguma forma?

WM1: Nós não podemos relançá-lo porque é ilegal. O livro foi confiscado pela polícia, por ordem do magistrado, após um processo de difamação de um promotor público que nós atacamos no livro. Nós o disponibilizamos na internet, ele está num servidor de Taiwan, onde a justiça italiana não pode chegar. O livro fala da histeria ligada à pedofilia que eclodiu na Itália e no resto da Europa entre 1996 e 1998. A mída, a Igreja e os políticos começaram uma verdadeira caça às bruxas usando o risco de circular pornografia infantil para fechar websites, apertar o cerco sobre a liberdade de expressão, encontrar bodes expiatórios em cada cidade e mandar pessoas inocentes para a cadeia. Nós (por "nós" eu quero dizer a seção de Bolonha do Projeto Luther Blissett) utilizamos muita contra-informação sobre o tema, e até ajudamos a tirar alumas pessoas inocentes da prisão. Nós contamos essa história no livro, e o poder judiciário de Bolonha se vingou proibindo-o. Você pode encontrá-lo no seguinte endereço, tem até uma animação em Flash retomando toda a história.

Contravenção: Sobre pornografia: durante o Renascimento italiano, a pornografia funcionou como um agente de poder político e eclesiástico, durante o século XVIII foi responsável pela propagação de idéias ligadas ao Iluminismo e, na França , incitou a renovação da literatura. Hoje temos o "pornô industrial", a criação de mitos pop pornográficos (como o compatriota de vocês, Rocco Siffredi) e uma suposta exploração da imagem feminina nos filmes de sexo. Afinal, qual função ainda resta para a pornografia?

O site do Matt HardcoreWM1: Creio que a pornografia é apenas um dos muitos campos da expressão humana. Eu não a vejo como um setor separado ou uma esfera autônoma, ela tem uma influência subterrânea sobre toda a cultura. Por exemplo, durante os anos 90, um fenômeno cinematográfico importante como o Dogma 95, de Lars Von Trier, não seria possível sem o experimentalismo dos filmes pornôs dos anos anteriores. Realmente, as questões de simplicidade, integridade e espontaneidade levantadas por cineastas do fenômeno "Dogma" já eram comuns em sub-gêneros do pornô como os "filmes gonzo".
Muitas coisas vêm acontecendo na pornografia nos últimos dez anos. Dez anos atrás, uma feminista radical americana, Nadine Strossen, escreveu um livro intitulado Defending Pornography [Defendendo a pornografia]. Ela diz que a pornografia lida com o "infinito do desejo", e é verdade. Os "pornógrafos" estão sempre experimentando, estão sempre à procura de novas formas de expressão, porque os gostos e preferências sexuais continuam mudando, são criados novos sub-gêneros, como "bukkake". Há filmes onde a única coisa que se pode ver é o esperma derramado sobre os pés de uma mulher (ou de um homem), e outros onde todas as atrizes usam óculos, e assim por diante.
Se assistir a um filme pornô dos anos 1970, você vai entender como as coisas mudaram. Hoje em dia seria considerado chato ver uma garota fazer uma chupeta com os olhos fechados. As atrizes têm que ficar olhando direto para a câmera, porque quem assiste quer ter o contato visual virtual o tempo todo, especialmente durante o gôzo, quando o esperma é engolido ou partilhado (duas ou mais atrizes cuspindo e derramando o esperma na boca da outra). Quanto ao Rocco Siffredi, ele esgotou suas idéias e fica repetindo a mesma coisa o tempo todo. Os filmes são muito ruins e acho que há muita "selvageria" neles. Não existe mais prazer ou divertimento. A série Rocco - Animal Trainer é um dos artefatos culturais mais deprimentes desde a morte de Heinrich Goebbels. Outra coisa interessante da pornografia são seus fãs. Existe uma rede de amadores que lidam com a pornografia de uma maneira divertida e verbal. Eu sugiro que você visite o site www.matthardcore.com. Esse italiano é um desenhista da Bonelli Edizioni (ele é o desenhista de quadrinhos populares como Nathan Never), mas é famoso por ser o maior fã ativista do pornô italiano na internet. Ele conduz um fórum, plageia DVDs, procura vídeos grátis na internet, resenha (e até dirige) filmes, comparece a todos os eventos do ramo escrevendo divertidas reportagens. Ele se tornou uma referência importante para todos os amantes do pornô.

Contravenção: Vocês se identificam de alguma forma com O Clube da Luta, obra de Chuck Palahniuk?

WM1: Bom, eu gostei tanto do livro quanto do filme que fizeram. Eu estava em Houston, Texas, quando o filme foi lançado (em 1999) e fui assistir na noite de estréia. Após o final (que, a propósito, antecipou o ‘11 de setembro’), eu saí e ouvi um cara murmurando, "Puta filme esquisito..." Na noite seguinte eu voltei para assistir mais uma vez. Não que eu endosse ideologicamente o Mayhem Project (um projeto "coletivista" tal qual mencionei anteriormente), mas achei muitas semelhanças com o estado mental em que nos encontrávamos durantes os tempos de Luther Blissett. "Luther Blisset" era nosso Tyler Durden [personagem de Brad Pitt no filme – N.T.], algumas vezes alguns de nós ia a algum lugar, alguém chegava nele ou nela e sussurrava: "Ei, Luther, eu estou do seu lado!" ou "Você é demais", ou algo nesse sentido. Sempre havia um cara assim andando à nossa frente, estávamos andando nas suas pegadas. Recentemente eu baixei um arquivo em "avi" do filme, de ótima qualidade, pirateado do DVD. Eu o assisti e percebi que é um filme tipicamente dos anos 1990, algumas partes estão obsoletas, mas ainda é um filme muito forte.

Contravenção: Como achar que os meios eletrônicos de divulgação de idéias (internet e outras redes) são meios livres quando toda a infraestrutura de pontocom está nas mãos de meia dúzia de multinacionais? Você será livre para caminhar desde que pague o pedágio? E o controle sobre a informação neste caso (onde poucas empresas controlam todo o acesso à rede) é "burocrático na forma e total no alcance". Será que o sonho acabou antes de começar?

WM1: Você sempre paga um preço... se você não curtir "phone-phreaking" [uma espécie de pirateação de linhas telefônicas – N.T.]. Enfim, não existem "meios livres". Os meios são coisas, e coisas não têm sentimentos. Coisas não podem ter uma percepção de liberdade. "Pessoas" percebem a liberdade, coisas, não. Portanto, o que temos são pessoas que querem obter uma liberdade maior de comunicação, e tentam fazer isso usando o sistema da mídia (algumas partes dela) do modo como quiserem. Isso é uma guerra. A liberdade não é dada por uma estrutura do poder, ela tem que ser conquistada, defendida e reconquistada o tempo todo. Não existe uma certeza. Você mete o pé na porta e tenta entrar. Você tenta dar um passo além, e tenta fazê-lo com classe, mesmo que esteja cercado de traidores.

Contravenção: Você acha possível que tudo o que hoje é considerado independente/underground possa usar métodos capitalistas de disseminação, o que já vem ocorrendo com algumas gravadoras e editoras independentes, e formar algo que, por falta de outra palavra, chamaremos de "Anarco-capitalismo"?

WM1: Nos E.U.A. "Anarco-capitalismo" significa outra coisa, é uma ideologia do mercado livre de direita fundada por Ayn Rand. De qualquer modo, nós achamos que tudo pertence ao povo. Todas as redes de cooperação social, mesmo que sejam exploradas pelo capital, são redes de pessoas e podem ser viradas de ponta-cabeça, reapropriadas (embora parcial e temporariamente), usadas de outra maneira. Como eu já disse, não existe uma certeza, você tem que julgar e tomar uma decisão a toda hora. O mais importante é: não seja tacanho. Se não tivéssemos publicado nossos livros através de grandes editoras, nossa postura "copyleft" jamais teria alcançado tantas pessoas. Nós não teríamos dado um exemplo útil.

Contravenção: O que é inovação lingüística para vocês, além da escrita coletiva? Poderia dar um exemplo concreto da escrita desatualizada da esquerda italiana?

Luca CasariniWM1: O problema não é apenas que a linguagem esteja "desatualizada", porque ela pode até soar nova, pode incluir muitos neologismos. Não, o problema é que a "linguagem canhestra" (como a chamamos), é "éticamente" inaceitável, é um jargão feito de lemas e clichês que mantêm a experiência longe, ela nunca estabelece um contato com o pesar ou a dor, amor e deleite, sentimentos, emoções. Apenas o contato com o tédio. Qual é o bem de uma irritante seqüência de palavras no vácuo, como os estúpidos discursos de propaganda ultra-retórica cheios de "o Movimento dos movimentos", "desobediência social", "o movimento das mulheres e homens desobedientes", "nós vamos desobedecer", "nós desobedecemos", "nós somos a multidão", "irmãos e irmãs", "a Matrix", "colocar nossos corpos em risco", etc? Daria para imprimir todos esses clichês numa folha de papel, cortar em tiras, colocar num cesto e pegar aleatoriamente, e você teria um discurso típico na linguagem canhestra: "Os irmãos e irmãs do Movimento dos movimentos e o movimento das mulheres e homens desobedientes vão colocar seus corpos em risco e desobedecer a Matrix em nome da desobediência social", o que simplesmente significa: "Vai haver uma passeata". Felizmente não se ouve falar tanto disso, e esses grupos estão se desfazendo. Um pequeno mas engraçado exemplo de inovação lingüística pode ser encontrado na recente mobilização anti-nuclear na Lucania (região ao sul da Itália), que foi enorme e envolveu quase toda a população da região. O comitê que organizava o conflito se chamava "la Comandanzia", que se escreve como uma palavra em italiano mas que não existe. As pessoas riram quando o leram porque era uma referência intencional ao "Comandancia" do EZLN. Aquilo deu um brilho especial à toda a mobilização.

Contravenção: "O escritor é aquele que tem consciência que é diferente dos outros" (Pier Paolo Pasolini). Apesar da ojeriza wumingiana ao estereótipo do gênio romântico, tendo a pensar na frase de Pasolini não como uma reafirmação do mito romântico, mas mais como uma expressão da angústia com relação à inadequação do narrador em tempos contemporâneos. Quando a literatura é convertida em mais uma das atividades capitalistas, não há como impedir essa angústia de aflorar. O que pensam disso? Odeiam o fato de que cito Pasolini para fazer a pergunta?

WM1: Eu não acho que os narradores são inadequados aos tempos atuais. De forma alguma. Os tempos atuais clamam por uma narração, eles até "anseiam" por isso. A narração fornece a "redução da complexidade" necessária que previne que o excesso de informações obstrua sua mente. A narração coloca tudo em perspectiva e te ajuda a encontrar uma síntese das coisas que você vê e ouve dia após dia.

Contravenção: Li que há algumas ações das do tipo do Luther Blisset no Brasil, porém não conheço nenhuma. Soube que aconteceu algo no sul do paÍs, mas muito vagamente. Quais as ações desenvolvidas no Brasil? E, em se tratando de lÍngua portuguesa, quais as obras de vocês, além de Q, publicadas em português?

WM1: Não temos muitas informações sobre esse assunto. Às vezes o nome "Luther Blissett" surge na semiosfera brasileira, especialmente em "blogs", e eu conheço uma organização de arquitetos com sede em Porto Alegre que se nomeou "Luther Blissett" e montou uma instalação que envolvia frangos crucificados, mas eu não sei dos detalhes. Algum tempo atrás havia um website www.lutherblissett.com.br, mas se você entrar nele hoje, só aparece uma advertência: "APOCALIPSE! Este website sofreu um hecatombe e por vontade colectiva está no limbo". Creio que o uso do nome é uma conseqüência da publicação da antologia de Blissett, Guerrilha Psíquica, pela Conrad Editora.

Contravenção: Qual foi sua impressão da sua estadia no Brasil? Por aqui é comum as pessoas relacionarem vocês com Situacionismo, Anarquia, Hakim Bey e coletivos de arte pós-modernos. Eu acredito que vocês tem uma relação maior com subculturas (punk, skin etc.) e a tradição marxista autonomista. Fale um pouco a respeito.

WM1: Eu me diverti muito no Brasil e quero voltar assim que puder, especialmente porque eu não conheci a região norte do país, mas mesmo assim você pode visitar o Brasil cem vezes e não consegue ver metade das coisas interessantes que ele tem. Quanto ao Situacionismo e coisas do tipo, eu não estou interessado nesse tipo de coisa. Eu acho isso acadêmico e elitista. Existem coisas interessantes no Anarquismo, mas nós nunca fomos anarquistas. As subculturas sempre foram muito importantes para nós, e gostaria também de mencionar o hip-hop, que foi a subcultura jovem mais influente dos últimos vinte anos. Quanto à tradição autonomista marxista e "pós-marxista" (Toni Negri, Paolo Virno e cia.), é claro que ela faz parte de nossa herança, por ser uma tradição forte na Itália, mas nos últimos anos nós temos nos afastado dessa teoria, que se tornou inadequada e não traz respostas a muitos problemas urgentes, como o iminente desastre ecológico. O marxismo autonomista ainda mantém um conceito linear de "progresso", "crescimento", "desenvolvimento" etc. e não compreende que os recursos (água, ar, energia) não são ilimitados.

Contravenção: Vocês venderam mais de duzentas mil cópias do Q na Itália, venderam bem na Espanha, tem uma recepção muito boa do 54 na Europa, estão na lista dos "livros do ano" do The Guardian inglês [a entrevista é do fim de 2003], estão fazendo roteiros para cinema, já gravaram discos e são, talvez, o maior mito pop do "movimento dos movimentos". Quais são os projetos futuros? O que vocês ainda esperam alcançar?

WM1: Não existe um "movimento dos movimentos". Felizmente, não é possível uma centralização dos movimentos atuais, eles são chamados ‘movimentos’ precisamente porque eles se movem (cinco minutos após você achar uma definição, eles já são outra coisa) e eles são ‘plurais’, são múltiplos. Eu não uso mais um substantivo no singular para descrevê-los. Portanto, nós não somos um "mito pop do movimento dos movimentos". Quanto aos nossos planos, 2004 será um ano crucial para nós, porque Enaudi vai publicar dois romances "solo" [ambos já lançados, um do Wu Ming 2 e outro do Wu Ming 1]; talvez o Festival de Cannes ou o Festival de Veneza mostre o filme que fizemos (uma grande produção sobre o movimento estudantil e a rádio livre mais importantes dos anos 1970 em Bolonha) [Lavorare con Lentezza, exibido em Veneza]; uma famosa banda de rock italiana (Yo Yo Mundi) vai lançar um disco baseado em nosso romance 54 [já lançado e facilmente encontrado na net], e nós vamos começar a escrever nosso novo romance coletivo, que será ambientado durante a revolução americana, de 1775 a 1783.


Confirem aqui o hotsite do romance "54"

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